O abuso sexual em crianças e adolescentes é um fato real na nossa
sociedade e é mais comum do que muita gente pensa.
É sabido que a maioria dos casos de crianças ou
adolescentes acontecem dentro de seus
próprios lares e, geralmente, não é denunciada e notificada às autoridades ou
órgãos judiciais (Conselho Tutelar, Ministério Público, Creas...), o que se
pode imaginar quão grande é a problemática de fato. Provavelmente, a incidência
dos maus-tratos e abuso sexual seja bem maior do que revelam as estatísticas. E
o mais grave: acontece em todos os países do mundo, independentemente de
qualquer classe social, cultura ou origem étnica.
Na literatura corrente, verifica-se que a violência
gera uma série de repercussões à vida da criança e do adolescente, englobando
desde comprometimentos orgânicos até danos mais sérios para os desenvolvimentos
neurológico, intelectual ou psicossocial desses indivíduos. Observam-se, ainda,
outras sequelas que poderão ser manifestadas a curto ou em longo prazo na vida
das vítimas.
Frente a essa realidade, é oportuno indagar: que
repercussões a violência perpetrada pelos pais podem gerar no comportamento dos
filhos? Será que a intolerância, a frustração e os danos vividos por esses
sujeitos, na sua história particular, podem romper barreiras e perpassar as
fronteiras das relações familiares, perpetuando-se na vida do grupo ou no
contexto mais amplo da sociedade?
Nessa perspectiva, entende-se a violência como um
ato associado à ideia de poder e de autoridade. Por isso, para compreender a
violência, é necessário considerar esses conceitos, bem como as formas como
eles se apresentam no contexto das relações interpessoais entre pais e filhos.
Entretanto, as definições sobre esse fenômeno variam de acordo com as
concepções culturais e históricas acerca da criança, de seus cuidados,
direitos, cumprimento de regras sociais para com ela e com os modelos
explicativos usados para sua caracterização.
Para Michaud (2000), só há violência
quando:
Segundo a elucidação de Minayo (2008, p.36), o termo violência tem sido empregado em “diversas ciências para se referir às situações de força (sobretudo à procedência exterior à pessoa que a sofre), opondo-se à espontaneidade, à naturalidade, à responsabilidade jurídica, à liberdade moral, etc”. A referida expressão também pode ser entendida como a “força material, ativa, vertida para o exterior e causa de prejuízo físico. Implica a relação energia física – prejuízo físico” (Ibid.p.37).
Conforme Guerra (2008), a violência doméstica
consiste em:
Nesse cenário, importa também enfatizar que há vários tipos de violações: física, sexual, psicológica, sexual, negligência, institucional e assim por diante.
O silêncio dos inocentes: apanhar para
educar! Verifica-se
na literatura corrente, que uma das maiores dificuldades para a obtenção de
informações sobre casos de crianças ou adolescentes vítimas de violência em seu
contexto familiar, é que, por se sentirem ameaçadas e repreendidas pelos
próprios pais ou responsáveis, são obrigadas a sofrerem passivamente em
silêncio. Assim, enquanto um fenômeno complexo, esse fenômeno contra a infância
e à adolescência no ambiente doméstico, em especial, praticada por seus
responsáveis ou por pessoas próximas, nem sempre é percebida, tornando-se
muitas vezes naturalizada e banalizada.
Muitas vezes, as vítimas sentem-se demasiado
embaraçadas e envergonhadas para contar o que lhes aconteceu. Sentem-se muitas
vezes, ou fazem-nas sentir, que o abuso ou a violação foi culpa sua.
Normalmente o abuso sexual confunde as crianças. Muitas crianças são obrigadas
a prometer segredo do abuso sexual.
De fato, a maior parte dos casos de abuso sexual é
cometida por amigos, conhecidos ou familiares. Mais comumente quem abusa
sexualmente de crianças são pessoas que a criança conhece e que, de alguma
forma, podem controlá-la. Na maioria dos casos, o abusador é conhecido da
vítima. Esta pessoa, em geral, é alguma figura de quem a criança gosta e em
quem confia. Por isso, quase sempre o abusador consegue convencer a criança a
participar desses tipos de atos por meio de persuasão, recompensas ou ameaças.
Por isso, acaba se sustentando como segredo, sendo
em muitos casos, não reconhecida como uma realidade a ser combatida, pois, na
concepção popular, os pais tem o direito de educar ou disciplinar seus filhos,
mesmo que para isso se utilizem meios inadequados ou cruéis, para atingirem seus
objetivos. Aqui, o caráter “educativo” que envolve tais ações constitui um
processo construído socioculturalmente. Esta prática é geralmente utilizada com
a justificativa de que as punições são a melhor, ou a única forma, de educar, e
que tais ações constituem um importante instrumento de correção, um recurso
educativo, pois só assim os filhos poderão ser moldados nos princípios
socialmente instituídos.
O ciclo da violência familiar. Considera-se que outro
aspecto relevante na discussão sobre o tema deste artigo, é que a
violência contra a criança e o adolescente se apresenta como um elemento
desencadeador do que se poderia denominar a “reprodução de diferentes tipos de
maus-tratos” cuja expressividade parte de um padrão que, ao se repetir contra
as vítimas, transforma-se numa prática constante ou cíclica no seu
cotidiano, apresentando-se em muitas situações com um caráter mais de controle
e domínio, do que um simples ato único de agressão.
Nessa perspectiva, a banalização da violência
intra-familiar ( que acontece no espaço doméstico) entre pais e filhos
cria um ciclo contínuo e vicioso, que é transmitido de geração para geração. A
criança quando sofre continuamente violência acaba introjetando um padrão de
comportamento que pode ser transmitido ou reproduzido nas demais relações
sociais que estabelece no contexto onde vive, podendo vir a ser um adulto
agressor, haja vista a gravidade do histórico pessoal de violência sofrido
durante a infância.
Qualquer que seja o contexto familiar, observa-se
que inúmeras são as repercussões decorrentes da violência na vida dos filhos
cujos efeitos se mostram de uma expressividade bastante ampla e complexa.
Convém lembrar que há uma certa dificuldade em descrevê-las de modo
sistemático, uma vez que, dependendo de cada acontecimento ou experiência
vivenciada pela vítima, as sequelas são agravadas ou amenizadas com o tempo,
podendo ou não se manifestar tardiamente em suas vidas.
Assim, as consequências da violência são
diversas. Cada categoria de violência gera prejuízos nas áreas do
desenvolvimento físico, cognitivo, social, moral, emocional ou afetivo. Nesse
sentido, as sequelas deixadas pela violência podem ser evidentes ou
imperceptíveis, mais ou menos graves, mas sempre presentes. O grau de
severidade dos efeitos da violência varia de acordo com: tipo de violência,
idade da criança, duração da situação, grau de violência, diferença de idade
entre a pessoa que cometeu a violência e a vítima, importância da relação entre
a vítima e o autor da agressão e a ausência de figuras parentais protetoras e
de apoio social (nesses casos, o dano psicológico é agravado) e o grau de
segredo e de ameaças contra a criança. Entre as consequências mais comuns, são
apontadas: lesões físicas, morte, sentimentos de raiva e medo em relação ao
autor de agressão, quadros de dificuldades escolares, dificuldade para confiar
em outros adultos, autoritarismo, “morte da alma”, apatia, atitudes
antissociais (delinquência), violência doméstica quando adulto,
parricídio/matricídio, abuso de drogas, quadros depressivos em variável
intensidade e transtornos graves de personalidade (quadros dissociativos,
personalidade múltipla, etc.) (CONSELHO
FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2009, p.37).
À luz dessas considerações, é
imprescindível destacar que há inúmeras referências apontando que as vítimas de
violência sexual podem vir a enfrentar, dentre àquelas já mencionadas, várias
dificuldades, que podem abranger aspectos de sua personalidade, como disfunções
emocionais (sentimentos de culpa,
autodesvalorização, depressão, etc), sexuais
(problemas que envolvem dificuldade de relacionamentos com outras pessoas,
promiscuidade, prostituição, etc.) e relacionamento
social (abrangem sentimentos contraditórios em relação aos agressores,
como: raiva, medo, timidez e outros), usualmente transmissíveis ou uma gravidez
indesejada decorrente do estupro. Além disso, as vítimas, sobretudo, crianças,
podem tender “a ser hipervigilantes à agressão externa, sendo este
comportamento evidenciado por uma incapacidade para lidar com seus impulsos
agressivos relacionados aos outros ou com a hostilidade alheia a elas dirigida”
(KAPLAN; SADOK; GREBB, 2004, p.141).
Se o seu filho(a) tiver algum destes comportamentos é preciso procurar
ajuda, principalmente se a criança se isolar, ou ficar perturbada quando alguém
em particular está perto dela.
Estratégias socioeducativas e familiares para
prevenção do abuso sexual. Os pais podem ajudar o seu filho falando
abertamente sobre o que é o abuso sexual, que tem o direito de se proteger e
insistindo que toda a pessoa que seja vítima de abuso sexual deve falar com um
familiar em quem confie um amigo, um professor, alguém que seja capaz de ajudar
a acabar com o abuso sexual.
Combater a violência é urgente! Nesse cenário, cada vez mais, em
qualquer esforço de combate à violência, torna-se imprescindível contar com uma
ampla rede de apoio social composta por instituições de diversos setores da
sociedade (Educação, Saúde, Justiça, Segurança, Cultura etc). Assim, a
interlocução e a integração de diferentes atores e instituições em rede
propiciam a sustentação necessária para a eficácia e continuidade das ações
empreendidas a partir da compreensão da violência no contexto da complexidade
histórica, social, cultural e psicológica, privilegiando, também, a extensão
dos direitos de cidadania, inclusive na vigência das relações interpessoais e
familiares.
Romper as cadeias dos maus-tratos não é fácil
porque o modo violento de viver está entranhado em nosso cotidiano. Entretanto,
mesmo que esta tarefa seja difícil, torna-se urgente enfrentá-la, pois é dever
de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de
qualquer tratamento desumano.
Como denunciar? Para qualquer denúncia ou
notificação de algum caso na comunidade, é importante que a sociedade conheça
alguns dispositivos públicos disponíveis para essa finalidade, como por
exemplo: o Departamento de Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos por
meio do Disque 100, Disque 123, CREAS, CRAS, Conselho
Tutelar, Polícias Militares e Civis, Ministério Público e outros
órgãos.
Nota: as citações dos autores
referenciados ao longo do desenvolvimento deste texto não serão citados na
íntegra, devido este texto se apresentar como um recorte de um artigo científico
escrito para o seu TCC no curso de especialização em Saúde Mental.
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