segunda-feira, 8 de maio de 2017

ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL: UM FENÔMENO URGENTE QUE PRECISA SER DEBATIDO !

         * Por Daniel Macedo 






O abuso sexual em crianças e adolescentes é um fato real na nossa sociedade e é mais comum do que muita gente pensa.
É sabido que a maioria dos casos de crianças ou adolescentes acontecem  dentro de seus próprios lares e, geralmente, não é denunciada e notificada às autoridades ou órgãos judiciais (Conselho Tutelar, Ministério Público, Creas...), o que se pode imaginar quão grande é a problemática de fato. Provavelmente, a incidência dos maus-tratos e abuso sexual seja bem maior do que revelam as estatísticas. E o mais grave: acontece em todos os países do mundo, independentemente de qualquer classe social, cultura ou origem étnica.
Na literatura corrente, verifica-se que a violência gera uma série de repercussões à vida da criança e do adolescente, englobando desde comprometimentos orgânicos até danos mais sérios para os desenvolvimentos neurológico, intelectual ou psicossocial desses indivíduos. Observam-se, ainda, outras sequelas que poderão ser manifestadas a curto ou em longo prazo na vida das vítimas.
Frente a essa realidade, é oportuno indagar: que repercussões a violência perpetrada pelos pais podem gerar no comportamento dos filhos? Será que a intolerância, a frustração e os danos vividos por esses sujeitos, na sua história particular, podem romper barreiras e perpassar as fronteiras das relações familiares, perpetuando-se na vida do grupo ou no contexto mais amplo da sociedade? 
Nessa perspectiva, entende-se a violência como um ato associado à ideia de poder e de autoridade. Por isso, para compreender a violência, é necessário considerar esses conceitos, bem como as formas como eles se apresentam no contexto das relações interpessoais entre pais e filhos. Entretanto, as definições sobre esse fenômeno variam de acordo com as concepções culturais e históricas acerca da criança, de seus cuidados, direitos, cumprimento de regras sociais para com ela e com os modelos explicativos usados para sua caracterização.

Para Michaud (2000), só há violência quando:   









Segundo a elucidação de Minayo (2008, p.36), o termo violência tem sido empregado em “diversas ciências para se referir às situações de força (sobretudo à procedência exterior à pessoa que a sofre), opondo-se à espontaneidade, à naturalidade, à responsabilidade jurídica, à liberdade moral, etc”. A referida expressão também pode ser entendida como a “força material, ativa, vertida para o exterior e causa de prejuízo físico. Implica a relação energia física – prejuízo físico” (Ibid.p.37). 
Conforme Guerra (2008), a violência doméstica consiste em:









              Nesse cenário, importa também enfatizar que há vários tipos de violações: física, sexual, psicológica, sexual, negligência, institucional e assim por diante. 

O silêncio dos inocentes: apanhar para educar! Verifica-se na literatura corrente, que uma das maiores dificuldades para a obtenção de informações sobre casos de crianças ou adolescentes vítimas de violência em seu contexto familiar, é que, por se sentirem ameaçadas e repreendidas pelos próprios pais ou responsáveis, são obrigadas a sofrerem passivamente em silêncio. Assim, enquanto um fenômeno complexo, esse fenômeno contra a infância e à adolescência no ambiente doméstico, em especial, praticada por seus responsáveis ou por pessoas próximas, nem sempre é percebida, tornando-se muitas vezes naturalizada e banalizada.
Muitas vezes, as vítimas sentem-se demasiado embaraçadas e envergonhadas para contar o que lhes aconteceu. Sentem-se muitas vezes, ou fazem-nas sentir, que o abuso ou a violação foi culpa sua. Normalmente o abuso sexual confunde as crianças. Muitas crianças são obrigadas a prometer segredo do abuso sexual.
De fato, a maior parte dos casos de abuso sexual é cometida por amigos, conhecidos ou familiares. Mais comumente quem abusa sexualmente de crianças são pessoas que a criança conhece e que, de alguma forma, podem controlá-la. Na maioria dos casos, o abusador é conhecido da vítima. Esta pessoa, em geral, é alguma figura de quem a criança gosta e em quem confia. Por isso, quase sempre o abusador consegue convencer a criança a participar desses tipos de atos por meio de persuasão, recompensas ou ameaças. 
Por isso, acaba se sustentando como segredo, sendo em muitos casos, não reconhecida como uma realidade a ser combatida, pois, na concepção popular, os pais tem o direito de educar ou disciplinar seus filhos, mesmo que para isso se utilizem meios inadequados ou cruéis, para atingirem seus objetivos. Aqui, o caráter “educativo” que envolve tais ações constitui um processo construído socioculturalmente. Esta prática é geralmente utilizada com a justificativa de que as punições são a melhor, ou a única forma, de educar, e que tais ações constituem um importante instrumento de correção, um recurso educativo, pois só assim os filhos poderão ser moldados nos princípios socialmente instituídos.

O ciclo da violência familiar. Considera-se que outro aspecto relevante na discussão sobre o tema deste artigo, é que  a violência contra a criança e o adolescente se apresenta como um elemento desencadeador do que se poderia denominar a “reprodução de diferentes tipos de maus-tratos” cuja expressividade parte de um padrão que, ao se repetir contra as vítimas, transforma-se numa prática constante ou cíclica no seu cotidiano, apresentando-se em muitas situações com um caráter mais de controle e domínio, do que um simples ato único de agressão.
Nessa perspectiva, a banalização da violência intra-familiar ( que acontece no espaço doméstico) entre pais e filhos cria um ciclo contínuo e vicioso, que é transmitido de geração para geração. A criança quando sofre continuamente violência acaba introjetando um padrão de comportamento que pode ser transmitido ou reproduzido nas demais relações sociais que estabelece no contexto onde vive, podendo vir a ser um adulto agressor, haja vista a gravidade do histórico pessoal de violência sofrido durante a infância.
Qualquer que seja o contexto familiar, observa-se que inúmeras são as repercussões decorrentes da violência na vida dos filhos cujos efeitos se mostram de uma expressividade bastante ampla e complexa. Convém lembrar que há uma certa dificuldade em descrevê-las de modo sistemático, uma vez que, dependendo de cada acontecimento ou experiência vivenciada pela vítima, as sequelas são agravadas ou amenizadas com o tempo, podendo ou não se manifestar tardiamente em suas vidas.
Assim, as consequências da violência são diversas. Cada categoria de violência gera prejuízos nas áreas do desenvolvimento físico, cognitivo, social, moral, emocional ou afetivo. Nesse sentido, as sequelas deixadas pela violência podem ser evidentes ou imperceptíveis, mais ou menos graves, mas sempre presentes. O grau de severidade dos efeitos da violência varia de acordo com: tipo de violência, idade da criança, duração da situação, grau de violência, diferença de idade entre a pessoa que cometeu a violência e a vítima, importância da relação entre a vítima e o autor da agressão e a ausência de figuras parentais protetoras e de apoio social (nesses casos, o dano psicológico é agravado) e o grau de segredo e de ameaças contra a criança. Entre as consequências mais comuns, são apontadas: lesões físicas, morte, sentimentos de raiva e medo em relação ao autor de agressão, quadros de dificuldades escolares, dificuldade para confiar em outros adultos, autoritarismo, “morte da alma”, apatia, atitudes antissociais (delinquência), violência doméstica quando adulto, parricídio/matricídio, abuso de drogas, quadros depressivos em variável intensidade e transtornos graves de personalidade (quadros dissociativos, personalidade múltipla, etc.) (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2009, p.37).
À luz dessas considerações, é imprescindível destacar que há inúmeras referências apontando que as vítimas de violência sexual podem vir a enfrentar, dentre àquelas já mencionadas, várias dificuldades, que podem abranger aspectos de sua personalidade, como disfunções emocionais (sentimentos de culpa, autodesvalorização, depressão, etc), sexuais (problemas que envolvem dificuldade de relacionamentos com outras pessoas, promiscuidade, prostituição, etc.) e relacionamento social (abrangem sentimentos contraditórios em relação aos agressores, como: raiva, medo, timidez e outros), usualmente transmissíveis ou uma gravidez indesejada decorrente do estupro. Além disso, as vítimas, sobretudo, crianças, podem tender “a ser hipervigilantes à agressão externa, sendo este comportamento evidenciado por uma incapacidade para lidar com seus impulsos agressivos relacionados aos outros ou com a hostilidade alheia a elas dirigida” (KAPLAN; SADOK; GREBB, 2004, p.141).
Se o seu filho(a) tiver algum destes comportamentos é preciso procurar ajuda, principalmente se a criança se isolar, ou ficar perturbada quando alguém em particular está perto dela. 
Estratégias socioeducativas e familiares para prevenção do abuso sexual. Os pais podem ajudar o seu filho falando abertamente sobre o que é o abuso sexual, que tem o direito de se proteger e insistindo que toda a pessoa que seja vítima de abuso sexual deve falar com um familiar em quem confie um amigo, um professor, alguém que seja capaz de ajudar a acabar com o abuso sexual.
Combater a violência é urgente! Nesse cenário, cada vez mais, em qualquer esforço de combate à violência, torna-se imprescindível contar com uma ampla rede de apoio social composta por instituições de diversos setores da sociedade (Educação, Saúde, Justiça, Segurança, Cultura etc). Assim, a interlocução e a integração de diferentes atores e instituições em rede propiciam a sustentação necessária para a eficácia e continuidade das ações empreendidas a partir da compreensão da violência no contexto da complexidade histórica, social, cultural e psicológica, privilegiando, também, a extensão dos direitos de cidadania, inclusive na vigência das relações interpessoais e familiares.
Romper as cadeias dos maus-tratos não é fácil porque o modo violento de viver está entranhado em nosso cotidiano. Entretanto, mesmo que esta tarefa seja difícil, torna-se urgente enfrentá-la, pois é dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano. 
Como denunciar? Para qualquer denúncia ou notificação de algum caso na comunidade, é importante que a sociedade conheça alguns dispositivos públicos disponíveis para essa finalidade, como por exemplo: o Departamento de Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos por meio do Disque 100,  Disque 123, CREAS, CRAS, Conselho Tutelar,  Polícias Militares e Civis, Ministério Público e outros órgãos. 



Nota: as citações dos autores referenciados ao longo do desenvolvimento deste texto não serão citados na íntegra, devido este texto se apresentar como um recorte de um artigo científico escrito para o seu TCC no curso de especialização em Saúde Mental. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário