domingo, 14 de maio de 2017

A ESTRUTUTRA DA PERSONALIDADE SEGUNDO FREUD: ID, AGO E SUPEREGO.


        *Por DANIEL MACEDO


       NOTA: estes são fragmentos textuais extraídos da Tese de Mestrado do próprio autor. Por motivos de direitos de autoria, não serão citadas as referências das bibliografias que serviram de base bibliográfica para o desenvolvimento do trabalho

O Id (das Es)

É a totalidade do aparelho psíquico do indivíduo ao nascer e está voltado para a satisfação das necessidades básicas da criança no começo de sua vida. A atividade do Id consiste de impulsos que obedecem ao princípio do prazer, isto é, que busca o prazer e evita a dor, na medida em que essa sensação é definida pela própria natureza do organismo.
Conforme Carrara (2004), o Id é a matriz da qual o ego e o superego se diferenciam. É um substrato contendo tudo o que é psicologicamente herdado, de onde provêm os impulsos ou pulsões. Seus conteúdos são as representações psíquicas dos instintos, ou seja, representações do mundo interno da experiência subjetiva, a verdadeira realidade psíquica como Freud o chamou. Está intimamente relacionado com os processos corporais, dos quais retira sua própria energia. Portanto é o reservatório da energia física que põe em funcionamento os outros sistemas, ou, em outro sentido, é o componente biológico da personalidade. Em outras palavras, é  “o princípio do prazer se caracteriza pela busca de evacuação e de redução das tensões psíquicas, pela busca do prazer da descarga pulsional associada à compulsão de repetição de experiências” (DANIEL; COHEN, 2010, p.61). 
D´Andrea (2003, p.14), complementa essas elucidações afirmando que o id é “fonte primária da energia mental cujos impulsos dependem de específicas condições físico-químicas”. Em outras palavras, é a parte mais primitiva da personalidade, exigindo contantemente a satisfação de suas necessidades.
Para Garcia-Roza (2009, p. 207), o “id está aberto às influências somáticas e em seu interior abriga representantes pulsionais que buscam satisfação”, sendo estes “regulados exclusivamente pelo princípio do prazer”.
Assim, quando ocorre uma estimulação externa ou uma excitação interna, o nível de tensão do organismo se eleva e o id funciona de tal maneira visando a descarregar imediatamente essa tensão, pois não é capaz de tolerar energias muito intensas. Procura fazer com que o organismo retorne e permaneça num nível de conforto e baixa tensão (CARRARA, 2004,p.19).
Entretanto, dentro desse contexto, pode-se inferir que o id encerra todas as pulsões biológicas básicas do ser humano. A única lei dele é o princípio do prazer, a satisfação agora e não mais tarde, sejam quais forem às circunstâncias e os custos. Assim, os seus esforços cegos para alcançar o prazer não conhecem qualquer distinção entre o sujeito e o mundo, entre a fantasia e a realidade, entre o desejar e o ter. Por isso, as pulsões insistentes extravasam para a ação motora reflexa e ao nascer, criança é integralmente id (GLEITMAN, FRIDLUND, REISBERG, 2003).
Na Conferência XXXI - A Dissecção Da Personalidade Psíquica, em Novas conferências introdutórias sobre psicanálise e outros trabalhos (1932-1936), Freud considera que o id é:


A parte obscura, a parte inacessível de nossa personalidade; [...]. Abordamos o id com analogias; denominamo-lo caos, caldeirão cheio de agitação fervilhante. Descrevemo-lo como estando aberto, no seu extremo, a influências somáticas e como contendo dentro de si necessidades instintuais que nele encontram expressão psíquica; não sabemos dizer, contudo, em que substrato. Está repleto de energias que a ele chegam dos instintos, porém não possui organização, não expressa uma vontade coletiva, mas somente uma luta pela consecução da satisfação das necessidades instintuais, sujeita à observância do princípio de prazer. As leis lógicas do pensamento não se aplicam ao id, e isto é verdadeiro, acima de tudo, quanto à lei da contradição. Impulsos contrários existem lado a lado, sem que um anule o outro, ou sem que um diminua o outro: quando muito, podem convergir para formar conciliações, sob a pressão econômica dominante, com vistas à descarga da energia (FREUD, 1996, p.34).


E ainda salienta Freud (1996):


Naturalmente, o id não conhece nenhum julgamento de valores: não conhece o bem, nem o mal, nem moralidade. Domina todos os seus processos o fator econômico ou, se preferirem, o fator quantitativo, que está intimamente vinculado ao princípio de prazer. Catexias instintuais que procuram a descarga - isto, em nossa opinião, é tudo o que existe no id (Ibid., p.36).


A partir das colaborações de Becker (2011), o Id, portanto, contém tudo o que é herdado e está presente desde o nascimento. Faz parte da constituição, por assim dizer, instintual da criança e se origina da organização somática a qual encontra expressão psíquica sob a forma de desejo, necessidade, impulso. Para Freud o Id é o reservatório de toda a energia da personalidade.

 O Ego (das Ich)

O ego é outro conceito importante na teoria topográfica freudiana. De acordo com Freud, ele é o responsável pelo contato com o ambiente, com a realidade externa e constitui a sede de quase todas as funções mentais.
De acordo com Carrara (2004, p.18), “podemos dizer que, ao nascer, o indivíduo é puro id inconsciente. Mediante o contato com a pressão da realidade, a massa indiferenciada vai se estruturando e formando o ego”.
Para a referida a autora:

Enquanto o id conhece apenas a realidade subjetiva da mente, o ego é capaz de diferenciar entre ela e a realidade do mundo externo[...].Para o id interessa apenas saber se uma experiência é agradável ou desagradável9princípio de prazer). Já o ego quer se certificar se uma experiência é falsa ou real, se tem existência externa ou não. Enquanto isso, retém a descarga imediata da tensão até que seja encontrado o objeto apropriado para a satisfação da necessidade, suspendendo, temporariamente, o princípio de prazer. Por essa razão, dizemos que o ego é regido pelo princípio da realidade e opera, em função disso, por meio do processo secundário (CARRARA, 2004, p.19).


Nessa perspectiva, ao defrontar-se com as demandas do meio, a criança precisa gradualmente redirigir os impulsos do id, de modo que estes sejam satisfeitos dentro da realidade. Isto significa que o indivíduo deve suportar um sofrimento para depois alcançar o prazer e renunciar a um prazer que poderá fazê-lo sofre mais tarde. No entanto, ambos os princípios visam o mesmo fim: alcançar o prazer, a satisfação e evitar a dor. Assim, o ego tem a função de autopreservação, pois se houvesse apenas a busca da gratificação imediata sem levar em conta as consequências da total evitação do sofrimento interno, o indivíduo sucumbiria (D´ANDREA, 2003).
Para Gleitman, Fridlund, Reisberg (2003, p.975), “o ego deriva do id e fundamentalmente mantém-se ainda ao seu serviço. Mas, ao contrário do id, o ego obedece ao princípio da realidade”.
Sobre esse princípio, explicam Daniel e Cohen (2010):

O princípio da realidade leva em conta às limitações, as proibições, as temporizações necessárias, para que a descarga pulsional não tenha um aspecto destrutivo para a criança. É em parte uma das funções do ego nascente da criança planejar a ação, deferir as satisfações na esperança de uma satisfação maior ou mais adequada à realidade (DANIEL;COHEN, 2010, p.61).  


Contudo, como intermédio entre o mundo interno (Id) e o mundo externo, o ego exerce uma série de funções. Em relação ao Id, aprende a controlar as demandas dos impulsos, decidindo se esses devem ser satisfeitos imediatamente, mais tarde ou nunca.

Cabe ao Ego ser o mediador entre as exigências do id, as do Superego e as da realidade externa. O Ego é a instância que analisa, julga e decide, coordena e suprime adiando e outras vezes até suprimindo definitivamente a realização do desejo e dos impulsos para atender às necessidades do indivíduo (BECKER, 2011, p.213).

Em relação ao segundo (mundo externo), percebe os estímulos, avaliando sua qualidade e intensidade a partir de lembranças de experiências passadas, protege-se dos estímulos percebidos como perigosos, aproveita os estímulos favoráveis e realiza modificações no meio que possam resultar em benefícios da própria pessoa. Em outras palavras, são funções do ego: perceber, lembrar, pensar, planejar e decidir.
Para Palmer (2001, p.30), a primordial tarefa do ego é a “autopreservação, a busca do controle não só do mundo que lhe é exterior como também do mundo interior do id”. 
Afiram Garcia-Roza (2009):

O ego encontra-se, portanto, em contato com dois mundos. Pela sua posição em face do sistema perceptivo, ele é o responsável pelo‘teste de realidade’ e pelo controle da motilidade; pela sua relação com o id, ele funciona como mediador entre este último e o mundo externo, isto é, procura atender às exigências do id com um mínimode conflito com a realidade e com o superego (GARCIA-ROZA, 2009, p. 208).


Conforme as elucidações freudianas, a função do ego é enfrentar as exigências levantadas por suas três relações de dependência: da realidade, do id e do superego e, não obstante, ao mesmo tempo, preservar a sua própria organização e manter a sua própria autonomia.
Portanto, o “ego desempenha papel de integrador lidando simultaneamente com as demandas do id, do superego e do mundo externo” (Idem., p.14).

É fácil ver que o ego é aquela parte do id que foi modificada pela influência direta do mundo externo, por intermédio do Pcpt.-Cs; em certo sentido, é uma extensão da diferenciação de superfície. Além disso, o ego procura aplicar a influência do mundo externo ao id e às tendências deste, e esforça-se por substituir o princípio de prazer, que reina irrestritamente no id, pelo princípio de realidade. Para o ego, a percepção desempenha o papel que não cabe ao instinto. O ego representa o que pode ser chamado de razão e senso comum, em contraste com o id, que contém as paixões. Tudo isto se coaduna às distinções populares com que estamos familiarizados; ao mesmo tempo, contudo, só deve ser encarado como confirmado na média ou ‘idealmente’ (FREUD, 1996, p.38).



Outra função importante do ego, que aqui merece ser recordado, é que ele é a sede da ansiedade. A ansiedade é um sentimento de ameaça frente a um perigo fantasiado. Se o período é real, o sentimento é de medo, se o perigo é fantasiado, fala-se de ansiedade. Diante desse sentimento, o ego busca se proteger e desenvolve os mecanismos de defesa cujos principais são: repressão, introjeção ou identificação, projeção, negação, deslocamento, formação reativa, sublimação, racionalização (BECKER, 2011).
Assim, para Freud, a defesa é a operação pela qual o ego exclui da consciência os conteúdos indesejáveis, protegendo, desta forma, o apare­lho psíquico. O ego mobiliza estes mecanismos, que suprimem ou dissimulam a percepção do perigo interno, em função de perigos reais ou imaginários localizados no mundo exterior (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2001).

O Superego (das Über-Ich)

É o último sistema a se desenvolver na personalidade da criança. É uma parte diferenciada do ego. É a instância crítica e proibidora, o censor das funções do ego decide se algo é certo ou errado, de modo a garantir que a criança aja em harmonia com os padrões sociais vigentes. “É o árbitro moral internalizado, ou seja, o representante interno dos valores e ideais da sociedade que são transmitidos e reforçados pelo sistema de punição e recompensas impostas à criança” (CARRARA, 2004, p.37).
Através do Superego, a criança introjeta os valores e normas da sociedade, transmitidos pelos pais  e reforçados pelos sistemas de recompensas e castigos impostos por esses. Por isso, “sua preocupação é decidir se alguma coisa é certa ou errada, de modo a poder a pessoa agir em harmonia com os padrões morais autorizados pelos agentes da sociedade” (HALL;LINDZEY,1966, p.49). 


Como árbitro moral internalizado, o superego resulta das reações que a criança oferece ao sistema de recompensas e punições dos pais. Para obter recompensas e evitar punições, a criança aprende a conduzir-se de acordo com as normas ditadas pelos pais. As punições resultantes de quebra de normas tendem a incorporar-se à consciência, que é um dos subsistemas do superego. O mecanismo pela qual essa incorporação se realiza chama-se introjeção. A consciência pune a pessoa fazendo-a sentir-se culpada e o ego-ideal recompensa-a fazendo-a sentir-se orgulhosa. Com a formação do superego o controle dos pais é substituído pelo autocontrole. (HALL;LINDZEY,1966, p.48). 


Assim, à proporção que se desenvolve, a criança descobre que certas demandas do meio persistem sob a forma de normas e regras estabelecidas, desenvolvendo “um novo padrão de resposta, a partir do interior do ego, que atua como uma espécie de juiz, o qual decide se o ego foi ‘bom’ ou ‘mau’”, como assim elucidam os autores Gleitman, Fridlund, Reisberg (2003, p.976). 
Destaca Freire (1997) que a sociedade tem um papel fundamental na estruturação do superego que influenciará na constituição da personalidade da criança, principalmente, em sés comportamentos diante da percepção e respostas ao meio. Para isso dita à criança os hábitos, os costumes, as boas maneiras, etc. A criança, portanto, vai assimilando e introjetando tudo isso.
Desta forma, o ego tem que lidar repetidamente com os mesmos tipos de problemas e aprender a encontrar para estes soluções socialmente aceitáveis.
O indivíduo, no entanto, não precisará indefinitivamente, parar para pensar cada vez que isto ocorrer. A decisão far-se-á automaticamente, pois as regras e normas impostas pelo mundo externo vão se incorporar na estrutura psíquica, constituindo o superego. 
Explica Becker (2011):


O Superego se desenvolve a partir do Ego e dos modelos de autoridade na infância. Ele é a instância moral, o depositário dos códigos da ética e da moralidade. Forma o modelo que advém do Id e os pensamentos do Ego. É o olho que vê tudo. Freud descreve três funções do Superego: a consciência moral, a auto-observação e a formação de ideias (BECKER, 2011, p.213).


Hall e Lindzey (1966, p.48) metaforizam o Superego com as seguintes palavras:  “é a arma moral da personalidade; representa mais o ideal do que o real e tende mais à perfeição do que ao prazer”.
Sobre as principais funções do Superego, os referidos autores sintetizam:


1) inibir os impulsos do id, particularmente os da natureza sexual e agressiva, pois estes são os impulsos cuja exteriorização é mais condenada pela sociedade; 2) persuadir o ego a substituir os alvos moralistas por alvos realistas; 3) lutar pela perfeição. O superego tende a opor-se tanto ao id quanto ao ego e a fazer do mundo um reflexo de sua imagem. Entretanto, ele se assemelha ao id quanto à irracionalidade,e ao ego quanto ao controle dos instintos. Ao contrário do ego, o superego não somente adia a gratificação do instinto: tenta bloqueá-lo permanentemente (HALL, LINDZEY, 1966, p.50, grifos nossos).




Em Novas conferências introdutórias sobre Psicanálise e outros trabalhos, na Conferência XXX (Volume XXII, 1932-1936), Freud (1929) descreve o Superego aplica o mais rígido padrão de moral ao ego indefeso que lhe fica à mercê e representa, em geral, as exigências da moralidade. Para o autor, o sentimento moral de culpa da criança é uma expressão da tensão entre o ego e o superego. Nesse sentido, o superego é o representante de todas as restrições morais, o advogado de um esforço tendente à perfeição imposta pelos próprios pais.
De acordo com D´Andrea (2003, p.14), essas três dimensões da estrutura psíquica (Id, Ego e Superego) , “não podem ser consideradas isoladamente no seu desenvolvimento e funcionamento. Elas são interdependentes”.
Dentro da sistemática funcional do psiquismo humano, segundo a teoria freudiana, como já foi destacada até agora, o ego, id e superego constituem, portanto, as instâncias da vida psicológica do ser humano, agindo dinamicamente.
Entretanto, para sua boa adaptação ao meio ambiente, à sociedade em geral, deve manter essas instâncias em harmonioso funcionamento, o que talvez não aconteça facilmente, pois existem entre elas conflitos provocados durante os primeiros anos de desenvolvimento e que jamais chegam a uma resolução. Porém isso não exclui a existência das instâncias que são igualmente atingidas pelas pulsões libidinosas (OLIVEIRA, 2010).

Portanto, a personalidade funciona, normalmente, como uma unidade completa e não em três segmentos separados. De modo geral, podemos considerar o id como “componente biológico da personalidade; o ego como componente psicológico e o superego como componente social”, como bem resumem Hall e Lindzey (1966, p.50).

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