*Por DANIEL MACEDO
NOTA: estes são fragmentos textuais extraídos da Tese de Mestrado do próprio autor. Por motivos de direitos de autoria, não serão citadas as referências das bibliografias que serviram de base bibliográfica para o desenvolvimento do trabalho.
O Id (das Es)
É a totalidade do aparelho psíquico do
indivíduo ao nascer e está voltado para a satisfação das necessidades básicas
da criança no começo de sua vida. A atividade do Id consiste de impulsos que
obedecem ao princípio do prazer, isto é, que busca o prazer e evita a dor, na
medida em que essa sensação é definida pela própria natureza do organismo.
Conforme Carrara (2004), o Id é a matriz da
qual o ego e o superego se diferenciam. É um substrato contendo tudo o que é
psicologicamente herdado, de onde provêm os impulsos ou pulsões. Seus conteúdos
são as representações psíquicas dos instintos, ou seja, representações do mundo
interno da experiência subjetiva, a verdadeira realidade psíquica como Freud o
chamou. Está intimamente relacionado com os processos corporais, dos quais
retira sua própria energia. Portanto é o reservatório da energia física que põe
em funcionamento os outros sistemas, ou, em outro sentido, é o componente
biológico da personalidade. Em outras palavras, é “o princípio do prazer se
caracteriza pela busca de evacuação e de redução das tensões psíquicas, pela
busca do prazer da descarga pulsional associada à compulsão de repetição de
experiências” (DANIEL; COHEN, 2010, p.61).
D´Andrea
(2003, p.14), complementa essas elucidações afirmando que o id é “fonte
primária da energia mental cujos impulsos dependem de específicas condições
físico-químicas”. Em outras palavras, é a parte mais primitiva da
personalidade, exigindo contantemente a satisfação de suas necessidades.
Para
Garcia-Roza (2009, p. 207), o “id está aberto às influências somáticas e em seu
interior abriga representantes pulsionais que buscam satisfação”, sendo estes “regulados
exclusivamente pelo princípio do prazer”.
Assim, quando ocorre uma estimulação externa
ou uma excitação interna, o nível de tensão do organismo se eleva e o id
funciona de tal maneira visando a descarregar imediatamente essa tensão, pois
não é capaz de tolerar energias muito intensas. Procura fazer com que o
organismo retorne e permaneça num nível de conforto e baixa tensão (CARRARA, 2004,p.19).
Entretanto,
dentro desse contexto, pode-se inferir que o id encerra todas as pulsões
biológicas básicas do ser humano. A única lei dele é o princípio do prazer, a
satisfação agora e não mais tarde, sejam quais forem às circunstâncias e os
custos. Assim, os seus esforços cegos para alcançar o prazer não conhecem
qualquer distinção entre o sujeito e o mundo, entre a fantasia e a realidade,
entre o desejar e o ter. Por isso, as pulsões insistentes extravasam para a
ação motora reflexa e ao nascer, criança é integralmente id (GLEITMAN,
FRIDLUND, REISBERG, 2003).
Na Conferência XXXI - A Dissecção Da
Personalidade Psíquica, em Novas conferências introdutórias sobre
psicanálise e outros trabalhos (1932-1936), Freud considera que o id
é:
A parte obscura, a parte inacessível
de nossa personalidade; [...]. Abordamos o id com analogias; denominamo-lo
caos, caldeirão cheio de agitação fervilhante. Descrevemo-lo como estando
aberto, no seu extremo, a influências somáticas e como contendo dentro de si
necessidades instintuais que nele encontram expressão psíquica; não sabemos
dizer, contudo, em que substrato. Está repleto de energias que a ele chegam dos
instintos, porém não possui organização, não expressa uma vontade coletiva, mas
somente uma luta pela consecução da satisfação das necessidades instintuais,
sujeita à observância do princípio de prazer. As leis lógicas do pensamento não
se aplicam ao id, e isto é verdadeiro, acima de tudo, quanto à lei da
contradição. Impulsos contrários existem lado a lado, sem que um anule o outro,
ou sem que um diminua o outro: quando muito, podem convergir para formar
conciliações, sob a pressão econômica dominante, com vistas à descarga da
energia (FREUD, 1996, p.34).
E ainda salienta Freud (1996):
Naturalmente,
o id não conhece nenhum julgamento de valores: não conhece o bem, nem o mal,
nem moralidade. Domina todos os seus processos o fator econômico ou, se
preferirem, o fator quantitativo, que está intimamente vinculado ao princípio
de prazer. Catexias instintuais que procuram a descarga - isto, em nossa
opinião, é tudo o que existe no id (Ibid., p.36).
A
partir das colaborações de Becker (2011), o Id, portanto, contém tudo o que é
herdado e está presente desde o nascimento. Faz parte da constituição, por
assim dizer, instintual da criança e se origina da organização somática a qual
encontra expressão psíquica sob a forma de desejo, necessidade, impulso. Para
Freud o Id é o reservatório de toda a energia da personalidade.
O Ego (das Ich)
O ego é outro conceito importante na teoria
topográfica freudiana. De acordo com Freud, ele é o responsável pelo contato
com o ambiente, com a realidade externa e constitui a sede de quase todas as
funções mentais.
De acordo com Carrara (2004, p.18), “podemos
dizer que, ao nascer, o indivíduo é puro id inconsciente. Mediante o contato
com a pressão da realidade, a massa indiferenciada vai se estruturando e
formando o ego”.
Para a referida a autora:
Enquanto o id conhece apenas a realidade subjetiva da
mente, o ego é capaz de diferenciar entre ela e a realidade do mundo
externo[...].Para o id interessa apenas saber se uma experiência é agradável ou
desagradável9princípio de prazer). Já o ego quer se certificar se uma
experiência é falsa ou real, se tem existência externa ou não. Enquanto isso,
retém a descarga imediata da tensão até que seja encontrado o objeto apropriado
para a satisfação da necessidade, suspendendo, temporariamente, o princípio de
prazer. Por essa razão, dizemos que o ego é regido pelo princípio da realidade
e opera, em função disso, por meio do processo secundário (CARRARA, 2004, p.19).
Nessa perspectiva, ao defrontar-se com as
demandas do meio, a criança precisa gradualmente redirigir os impulsos do id,
de modo que estes sejam satisfeitos dentro da realidade. Isto significa que o
indivíduo deve suportar um sofrimento para depois alcançar o prazer e renunciar
a um prazer que poderá fazê-lo sofre mais tarde. No entanto, ambos os
princípios visam o mesmo fim: alcançar o prazer, a satisfação e evitar a dor.
Assim, o ego tem a função de autopreservação, pois se houvesse apenas a busca da
gratificação imediata sem levar em conta as consequências da total evitação do
sofrimento interno, o indivíduo sucumbiria (D´ANDREA, 2003).
Para
Gleitman, Fridlund, Reisberg (2003, p.975), “o ego deriva do id e fundamentalmente mantém-se ainda ao
seu serviço. Mas, ao contrário do id, o ego obedece ao princípio da realidade”.
Sobre esse princípio, explicam Daniel e Cohen
(2010):
O princípio da realidade leva em conta às limitações, as
proibições, as temporizações
necessárias, para que a descarga pulsional não tenha um aspecto destrutivo para
a criança. É em parte uma das funções do ego nascente da criança planejar a
ação, deferir as satisfações na esperança de uma satisfação maior ou mais
adequada à realidade (DANIEL;COHEN, 2010, p.61).
Contudo,
como intermédio entre o mundo interno (Id) e o mundo externo, o ego exerce uma
série de funções. Em relação ao Id, aprende a controlar as demandas dos
impulsos, decidindo se esses devem ser satisfeitos imediatamente, mais tarde ou
nunca.
Cabe ao Ego
ser o mediador entre as exigências do id, as do Superego e as da realidade
externa. O Ego é a instância que analisa, julga e decide, coordena e suprime
adiando e outras vezes até suprimindo definitivamente a realização do desejo e
dos impulsos para atender às necessidades do indivíduo (BECKER, 2011, p.213).
Em
relação ao segundo (mundo externo), percebe os estímulos, avaliando sua
qualidade e intensidade a partir de lembranças de experiências passadas,
protege-se dos estímulos percebidos como perigosos, aproveita os estímulos
favoráveis e realiza modificações no meio que possam resultar em benefícios da
própria pessoa. Em outras palavras, são funções do ego: perceber, lembrar,
pensar, planejar e decidir.
Para
Palmer (2001, p.30), a primordial tarefa do ego é a “autopreservação, a busca
do controle não só do mundo que lhe é exterior como também do mundo interior do
id”.
Afiram
Garcia-Roza (2009):
O ego encontra-se, portanto, em
contato com dois mundos. Pela sua posição em face do sistema perceptivo, ele é
o responsável pelo‘teste de realidade’ e pelo controle da motilidade; pela sua
relação com o id, ele funciona como mediador entre este último e o mundo
externo, isto é, procura atender às exigências do id com um mínimode conflito
com a realidade e com o superego (GARCIA-ROZA, 2009, p. 208).
Conforme
as elucidações freudianas, a função do ego é enfrentar as exigências levantadas
por suas três relações de dependência: da realidade, do id e do superego e, não
obstante, ao mesmo tempo, preservar a sua própria organização e manter a sua
própria autonomia.
Portanto,
o “ego desempenha papel de integrador lidando simultaneamente com as demandas
do id, do superego e do mundo externo” (Idem., p.14).
É fácil ver que o ego é aquela parte
do id que foi modificada pela influência direta do mundo externo, por
intermédio do Pcpt.-Cs; em certo sentido, é uma extensão da
diferenciação de superfície. Além disso, o ego procura aplicar a influência do
mundo externo ao id e às tendências deste, e esforça-se por substituir o
princípio de prazer, que reina irrestritamente no id, pelo princípio de
realidade. Para o ego, a percepção desempenha o papel que não cabe ao instinto.
O ego representa o que pode ser chamado de razão e senso comum, em contraste
com o id, que contém as paixões. Tudo isto se coaduna às distinções populares
com que estamos familiarizados; ao mesmo tempo, contudo, só deve ser encarado
como confirmado na média ou ‘idealmente’ (FREUD, 1996, p.38).
Outra função importante do
ego, que aqui merece ser recordado, é que ele é a sede da ansiedade. A
ansiedade é um sentimento de ameaça frente a um perigo fantasiado. Se o período
é real, o sentimento é de medo, se o perigo é fantasiado, fala-se de ansiedade.
Diante desse sentimento, o ego busca se proteger e desenvolve os mecanismos de
defesa cujos principais são: repressão, introjeção ou identificação, projeção,
negação, deslocamento, formação reativa, sublimação, racionalização (BECKER,
2011).
Assim, para Freud, a defesa
é a operação pela qual o ego exclui da consciência os conteúdos indesejáveis,
protegendo, desta forma, o aparelho psíquico. O ego mobiliza estes mecanismos,
que suprimem ou dissimulam a percepção do perigo interno, em função de perigos
reais ou imaginários localizados no mundo exterior (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA,
2001).
O Superego (das Über-Ich)
É o último sistema a se desenvolver na personalidade da criança. É uma
parte diferenciada do ego. É a instância crítica e proibidora, o censor das funções do ego decide se
algo é certo ou errado, de modo a garantir que a criança aja em harmonia com os
padrões sociais vigentes. “É o árbitro moral internalizado, ou seja, o
representante interno dos valores e ideais da sociedade que são transmitidos e
reforçados pelo sistema de punição e recompensas impostas à criança” (CARRARA,
2004, p.37).
Através do Superego, a
criança introjeta os valores e normas da sociedade, transmitidos pelos
pais e reforçados pelos sistemas de
recompensas e castigos impostos por esses. Por isso, “sua preocupação é decidir
se alguma coisa é certa ou errada, de modo a poder a pessoa agir em harmonia
com os padrões morais autorizados pelos agentes da sociedade”
(HALL;LINDZEY,1966, p.49).
Como árbitro moral internalizado, o
superego resulta das reações que a criança oferece ao sistema de recompensas e
punições dos pais. Para obter recompensas e evitar punições, a criança aprende
a conduzir-se de acordo com as normas ditadas pelos pais. As punições
resultantes de quebra de normas tendem a incorporar-se à consciência, que é um
dos subsistemas do superego. O mecanismo pela qual essa incorporação se realiza
chama-se introjeção. A consciência pune a pessoa fazendo-a sentir-se culpada e
o ego-ideal recompensa-a fazendo-a sentir-se orgulhosa. Com a formação do
superego o controle dos pais é substituído pelo autocontrole.
(HALL;LINDZEY,1966, p.48).
Assim, à proporção que se desenvolve, a
criança descobre que certas demandas do meio persistem sob a forma de normas e
regras estabelecidas, desenvolvendo “um novo padrão de resposta,
a partir do interior do ego, que atua como uma espécie de juiz, o qual decide
se o ego foi ‘bom’ ou ‘mau’”, como assim elucidam os autores Gleitman,
Fridlund, Reisberg (2003, p.976).
Destaca
Freire (1997) que a sociedade tem um papel fundamental na estruturação do superego
que influenciará na constituição da personalidade da criança, principalmente,
em sés comportamentos diante da percepção e respostas ao meio. Para isso dita à
criança os hábitos, os costumes, as boas maneiras, etc. A criança, portanto,
vai assimilando e introjetando tudo isso.
Desta forma, o ego tem que lidar
repetidamente com os mesmos tipos de problemas e aprender a encontrar para
estes soluções socialmente aceitáveis.
O indivíduo, no entanto, não precisará
indefinitivamente, parar para pensar cada vez que isto ocorrer. A decisão
far-se-á automaticamente, pois as regras e normas impostas pelo mundo externo
vão se incorporar na estrutura psíquica, constituindo o superego.
Explica Becker (2011):
O Superego
se desenvolve a partir do Ego e dos modelos de autoridade na infância. Ele é a
instância moral, o depositário dos códigos da ética e da moralidade. Forma o
modelo que advém do Id e os pensamentos do Ego. É o olho que vê tudo. Freud
descreve três funções do Superego: a consciência moral, a auto-observação e a
formação de ideias (BECKER, 2011, p.213).
Hall
e Lindzey (1966, p.48) metaforizam o Superego com as seguintes palavras: “é a arma moral da personalidade; representa
mais o ideal do que o real e tende mais à perfeição do que ao prazer”.
Sobre
as principais funções do Superego, os referidos autores sintetizam:
1) inibir
os impulsos do id, particularmente os da natureza sexual e agressiva, pois
estes são os impulsos cuja exteriorização é mais condenada pela sociedade; 2)
persuadir o ego a substituir os alvos moralistas por alvos realistas; 3) lutar
pela perfeição. O superego tende a opor-se tanto ao id quanto ao ego e a fazer
do mundo um reflexo de sua imagem. Entretanto,
ele se assemelha ao id quanto à irracionalidade,e ao ego quanto ao controle dos
instintos. Ao contrário do ego, o superego não somente adia a gratificação do
instinto: tenta bloqueá-lo permanentemente (HALL, LINDZEY, 1966, p.50, grifos nossos).
Em
Novas conferências introdutórias sobre
Psicanálise e outros trabalhos, na Conferência XXX (Volume XXII,
1932-1936), Freud (1929) descreve o Superego aplica
o mais rígido padrão de moral ao ego indefeso que lhe fica à mercê e
representa, em geral, as exigências da moralidade. Para o autor, o sentimento
moral de culpa da criança é uma expressão da tensão entre o ego e o superego.
Nesse sentido, o superego é o representante de todas as restrições morais, o
advogado de um esforço tendente à perfeição imposta pelos próprios pais.
De acordo com D´Andrea (2003, p.14), essas três dimensões
da estrutura psíquica (Id, Ego e Superego) , “não podem ser consideradas
isoladamente no seu desenvolvimento e funcionamento. Elas são
interdependentes”.
Dentro da sistemática
funcional do psiquismo humano, segundo a teoria freudiana, como já foi destacada
até agora, o ego, id e superego constituem, portanto, as instâncias da vida
psicológica do ser humano, agindo dinamicamente.
Entretanto,
para sua boa adaptação ao meio ambiente, à sociedade em geral, deve manter
essas instâncias em harmonioso funcionamento, o que talvez não aconteça
facilmente, pois existem entre elas conflitos provocados durante os primeiros
anos de desenvolvimento e que jamais chegam a uma resolução. Porém isso não
exclui a existência das instâncias que são igualmente atingidas pelas pulsões
libidinosas (OLIVEIRA, 2010).
Portanto,
a personalidade funciona, normalmente, como uma unidade completa e não em três segmentos separados. De modo geral,
podemos considerar o id como “componente biológico da personalidade;
o ego como componente psicológico e o superego como componente social”, como bem resumem Hall e Lindzey (1966, p.50).